3 de ago. de 2013

DE BARBOSA LIMA SOBRINHO PARA MAURÍCIO AZÊDO

 Do Céu para a Terra



De:  BarbosaLima.Sobrinho@uol.com.br
Para: Azedo.Mauricio@gmail.com

Caro Maurício,
aqui em cima, de onde se pode ter uma visão privilegiada do mundo e das misérias da condição humana, estamos todos muito preocupados com o futuro da nossa querida ABI. Os amigos com quem tenho conversado,   entre eles o Samuel Wainer e o Moacir Werneck de Castro, que trabalharam com você na finada Última Hora,  estão perplexos com  sua atitude de impedir que a oposição participasse das últimas eleições. Ficaram horrorizados ao saber que você havia também alterado o Estatuto para se reeleger eternamente,  como o Roberto Mugabe, do Zimbabue, que  está há 33 anos no poder e pretende ficar ainda mais cinco.
As pessoas estão muito entristecidas com o seu comportamento autoritário. O Gustavo de Lacerda, por exemplo, anda inconsolável e  deprimido com toda essa situação.  Diz a todo momento, como se repetisse um mantra, que ao fundar a ABI  em 1908  não imaginava que um dia  ela virasse um circo.
Sei que você não gosta de mim. Eu o ouvi várias vezes me acusando publicamente de ter sido "um velho omisso", apesar dos relevantes serviços que prestei à entidade e ao país. Não alimento rancor com as críticas que me tem feito, guardo apenas mágoas, que se dissolverão com o tempo.  Espero  que não tenha apagado da sua memória o dia em que lhe estendi a mão, num momento particularmente doloroso da sua vida, quando todos lhe voltavam o rosto. O Meirelles e algumas pessoas que ainda estão vivas sabem do que estou falando.
Se a eleição fosse aqui em cima você não teria um voto. Todos fazem graves restrições aos seus nove anos de administração e não entendem porque você quer se eternizar no poder. Não encontrei até agora ninguém que elogiasse a sua gestão. Só ouço reclamações.
O nosso querido Burle Max, o maior paisagista que conheci, queixou-se amargamente com o Oscar Niemeyer por terem destruído o  belíssimo jardim que plantou no terraço da ABI.  O Niemeyer levou a caramunha para os irmãos Roberto, que foram os responsáveis pelo projeto do edifício- sede.  Ele me disse que ficou surpreso com a reação exaltada dos dois. O Marcelo e o Milton Roberto estavam revoltados com a desfiguração do 13º andar, concebido originalmente como área de lazer.  Na opinião deles, o  mais grave não foi terem cimentado o jardim do Burle Max, mas usarem aquele espaço de convivência social para construir ilegalmente um imenso "puxadinho". Os dois convidaram o Niemeyer a espiar, daqui de cima, a obra que está sendo realizada, ao arrepio da lei, para abrigar uma academia de ginástica no terraço da ABI. O Niemeyer contou que os três viram, inclusive,  sua mulher dando ordens aos operários como se fosse a dona da casa. Comenta-se muito, aqui no céu, que ela manda mais na ABI do que você.
O Prudente de Morais, eleito patrono da  sua chapa, ficou chocado ao saber que a Marilka usurpou a função de vários diretores com a sua anuência. Na época em que foi presidente, ele jamais permitiu que sua esposa, a nossa querida dona Lucy, freqüentasse seu gabinete. Ela só passou a custodiá-lo quando a maldita de uma catarata começou a lhe roubar a visão. Eu também nunca permiti que a minha Maria José circulasse pela ABI como um capitão-do-mato. Acho  que ela  só foi três ou quatro vezes ao meu gabinete durante o período em que fui presidente. Muitos sócios pensavam até que eu era viúvo.
O  Gastão Pereira da Silva,  um dos maiores novelistas da Rádio Nacional e assíduo freqüentador do onze, tem manifestado especial interesse pelo que está acontecendo na ABI. Ele me disse que o  onze, onde a turma se reunia, virou um deserto. Os associados sumiram. O  Gastão aparece sempre aqui, pela minha sala, depois do almoço, com aquela cabeleira em permanente alvoroço, como se tivesse acabado de sair da cama. Continua o fumante inveterado que  conhecemos, a voz ligeiramente rouca,  os dedos cada vez mais tingidos de nicotina. Não sei se você sabe, mas ele é também  psicanalista e tem uma interpretação ufológico-freudiana para as cenas de folhetim que envergonham a ABI. Ele acha que você foi abduzido pela Marilka que se teria transformado em seu hospedeira. Talvez tenha matado a charada.
Vamos voltar ao imbróglio do  "puxadinho" que pode  terminar nas páginas dos jornais. Com o aval do Niemeyer, o Milton e o Marcelo Roberto foram então conversar com o ex-prefeito Pedro Ernesto que, em 1935, doou o terreno para a construção do prédio da ABI. O Pedro Ernesto prometeu enviar um e-mail para você, alertando que a sede da nossa entidade foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional  (IPHAN), encontrando-se, portanto, protegida por Legislação Federal. Obras que alterem as linhas originais da edificação são passíveis de inquérito criminal instaurado pela Procuradoria da República. Não sei se você já recebeu o e-mail do Pedro. Acho que todo o cuidado é pouco. Ele me ligou outro dia dizendo que o caso não pode chegar aos ouvidos do Rodrigo de Mello Franco que criou o IPHAN em 1937.
O Rodrigo tem mão de ferro e  usa até hoje os poderes discricionários que recebeu do Vargas para proteger o acervo tombado pelo órgão que ele criou durante o Estado Novo. Não sei se você sabe,  mas o prédio da ABI, um dos marcos da moderna arquitetura brasileira, é um dos xodós do Rodrigo. Um pedido dele é uma ordem. A obra pode, inclusive, ser embargada pela Justiça e ainda dar cadeia.
Ninguém contou para o Herbert Moses que estão erguendo a tal academia de ginástica no terraço da ABI. Ele foi o responsável pela construção do prédio e anda meio pirado com a péssima manutenção do edifício. Ficou assim depois que viu o laudo de vistoria do imóvel realizado pelo arquiteto Fernando Krüger. O Moses anda sempre com o documento embaixo do braço como se fosse uma bíblia. As folhas já estão amareladas e começaram, inclusive, a se soltar, tantas foram as vezes em que exibiu as fotos do estado deplorável em que se encontra a sede que ele viu nascer.
Não pode encontrar uma pessoa, aqui no céu, que vai logo mostrando o laudo. Anda tão perturbado que mistura palavras em francês, idioma que domina com extraordinária fluência. Eu mesmo já perdi a conta do número de vezes em que ele me mostrou esse documento. O que mais me impressionou, no laudo,  foi a casa de força, que continua sem luz, e onde ninguém se atreve a entrar. Os cabos de energia se soltaram e ficaram pendurados no teto como cipós. A central de ar-condicionado, no 14º andar, parece que foi para o brejo. Das quatro máquinas, três estão fora de combate. Não existem mais peças de reposição para esse tipo de equipamento, pelo que me informaram, apesar de não termos aqui em cima problemas de refrigeração. A única máquina que ainda funciona já exibe sinais de fadiga. As instalações hidráulicas, de tão apodrecidas que estão, parecem que podem ser furadas com o dedo. A quantidade de infiltrações estão, inclusive, ameaçando a estrutura física do prédio. Depois que você demitiu, no ano passado, o Zequinha, que era o encarregado geral e a memória técnica da imóvel, a sede ficou totalmente abandonada. Está há dez  meses sem  qualquer manutenção.
Estamos todos também muito  preocupados com a saúde mental do Moses. Sempre que vê alguém caminhando pelas calçadas da  México ou da Araújo Porto Alegre, ele se debruça sobre a janela do céu e grita, aqui do alto, para não se aproximarem do prédio. Como as placas de mármore da fachada estão soltas, ele teme que possam cair sobre a cabeça das pessoas. 
A Guiomar Novaes é outra que não para de chorar. Sempre que olha para baixo e vê o estado deplorável do  piano de meia cauda, que um dia foi seu,  tem uma crise nervosa. Ela me contou que ele a acompanhou em todas os recitais de que participou na Europa e  Estados Unidos. A idéia de doá-lo à ABI foi do Villa-Lobos, que morava do outro lado da Araújo Porto Alegre,  e  passava as tardes jogando sinuca, no salão do onze.  Outro dia vi os dois discutindo por causa do piano. O nosso maestro comprometeu-se com a Guiomar de que enviaria um e-mail para a presidência da ABI, alertando você, de que o piano estava sendo devorado pelo cupim.
Quem está se divertindo, como pinto no lixo, com toda essa história é o Artur Cantalice. Ele continua escrevendo aquele jornalzinho mural que você mandava retirar dos andares, onde falava mal da sua administração. Todos os dias ele escreve um artigo contra a sua gestão. Usa sempre uma daquelas velhas máquinas Olivetti que a ABI ainda mantém na Sala de Imprensa. Outro dia me revelou com detalhes como morreu durante a reunião do Conselho. Estava discutindo com você quando foi acometido por um infarto fulminante. Tombou sobre o ombro do Audálio Dantas, que estava sentado ao lado dele, e estatelou-se no chão. Todos correram para socorrê-lo. O Fritz Utzeri, que estudou medicina, deu vários socos no  peito, tentou reanimá-lo com uma respiração boca-a-boca, mas não funcionou. Ele já havia partido.
O Cantalice disse que morreu, de repente, como  um passarinho. Não sentiu nada. O que mais doeu, naquele momento, foi o que  ouviu você dizer quando passou sobre o corpo dele, indiferente ao esforço do Fritz em tentar trazê-lo de volta. "Morreu como sempre viveu: destilando ódio!".
As pessoas que estavam na sala ficaram horrorizadas. A única voz que se ouviu foi a da Marilka: "Maurício, pelo amor de Deus, não fala assim.!" Gostaria de lhe dar alguns conselhos, mas fica para depois.
Abs.
Barbosa Lima Sobrinho.

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